Educação
Diplomata aposentado, Roberto Abdenur acredita que, em alguns anos, será possível vencer as pequenas transgressões do dia a dia. O caminho, aponta, é ensinar às crianças, desde cedo, a diferença entre o certo e o errado.
"As pessoas sabem o certo e o errado, mas pensam: também posso fazer"
ROBERTO ABDENUR Presidente do
Instituo Etco
Diplomata aposentado, Roberto Abdenur acredita que, em alguns anos, será possível vencer as pequenas transgressões do dia a dia. O caminho, aponta, é ensinar às crianças, desde cedo, a diferença entre o certo e o errado.
"As pessoas sabem o certo e o errado, mas pensam: também posso fazer"
ROBERTO ABDENUR Presidente do
Instituo Etco
O ministro do Trabalho pegou carona num avião, mas "esqueceu-se". Outros membros do primeiro escalão federal caíram porque tentaram ocultar relações que os colocavam em xeque. Nas ruas, protestos mostram que a população revoltou-se e quer rigor contra a corrupção.
Mas, no fim das contas, será que esse mal está distante de nós, enraizado no Planalto Central? Não é difícil encontrar, perto da gente, quem critique a corrupção em Brasília, mas peça um comprovante de consulta odontológica para abater no imposto de renda - uma forma de sonegação. Ou, então, um vizinho que reclama dos políticos, mas faz gato de energia elétrica em casa ou no seu comércio.
Especialistas ouvidos por A GAZETA avaliam que a corrupção que ronda a Esplanada dos Ministérios é a mesma que permite que as pessoas, no dia a dia, desrespeitem a faixa de pedestres, comprem CDs pirata ou finjam dormir quando ocupam um banco do ônibus, negando assento a idosos ou gestantes - que muitas vezes ficam de pé no lotação.
"Existe no Brasil uma cultura de leniência a transgressões. As pessoas sabem o que é certo e errado, mas pensam 'se os outros fazem, por que eu também não posso?' Os pequenos delitos geram a corrupção e formam um círculo vicioso", aponta o diplomata aposentado Roberto Abdenur, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).
O que Abdenur chama de transgressão nem sempre está visível nas ruas. Possivelmente você conhece alguém que costuma "baixar" músicas ou filmes da internet sem respeitar o direito autoral. Ou vai dizer que nenhum amigo tem aquela "seleção especial" de músicas em CD pirata? São casos comuns, mas que burlam leis.
"A corrupção vem do fato de você colocar sua vontade sobre as regras sociais vigentes. Quem se preocupa com a corrupção deveria se preocupar com a manutenção de toda e qualquer regra, até as mais simples", aponta o mestre em Direitos Constitucional Júlio Pompeu, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
No ano passado, o Brasil perdeu cerca de R$ 35 bilhões com pirataria (incluindo a venda de CDs pirata), em impostos não arrecadados e prejuízos para as empresas, de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF). Um levantamento do Instituto Etco aponta que o comércio ilegal chega a movimentar R$ 850 bilhões por ano, ou 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
JulgamentoPara Pompeu, um dos motivos de a sociedade criticar o governo mas não enxergar os maus exemplos do dia a dia é
Na internet, não é difícil constatar a comparação. Quantos não se sentem tentados a, ao avistar uma blitz, recorrer às redes sociais para avisar aos amigos que vão sair para o bar? Parece bobo, mas a decisão pode mudar (literalmente) os rumos de outras vidas.
Robson Loureiro, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Filosofia da Ufes, vê esses casos do seguinte modo: "Se cada um escolher fazer o que bem entende, apenas para satisfação de uma vontade particular, dificilmente conseguiríamos viver em sociedade. A ética exige paciência, critério e comparação", destacou.
Ainda no trânsito, há exemplos práticos de pessoas que não se comparam às demais. Da clássica "paradinha" em frente à escola dos filhos em fila dupla, ao estacionamento na vaga de idosos e deficientes, ou, então, na vaga para ambulâncias (como na foto acima), tudo é "possível" pelas ruas.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, essas faltas são consideradas graves. Por isso, os motoristas devem ser multados em R$ 127,69 e perder cinco pontos na carteira de habilitação. Não é incomum que, quando flagrados, esses infratores apelem para a velha desculpa de que o erro "foi só por cinco minutinhos".
Para Abdenur, em casos como esses, há uma explicação clara: as pessoas têm certeza de que vão burlar as regras e não serão punidas. "A sensação de impunidade alimenta a corrupção e as pequenas transgressões. Em situações limite, você vê gente que bebe, atropela pessoas e é solta com pagamento de fiança", critica.
O caso é diferente, mas no início do mês um empresário de Vitória foi para trás das grades depois que a polícia constatou irregularidades na ligação de luz em seu restaurante. Pior: ele já havia sido preso antes por furto de energia. Da última vez, pagou R$ 1 mil de fiança e foi solto.
Falta Reflexão
A percepção do professor Robson Loureiro é de que as pessoas não parecem dispostas a pensar sobre o mal que elas mesmas podem causar aos outros ou ao convívio social quando cometem delitos.
"Há hoje em dia certa facilidade em fragilizar a capacidade de conduzir escolhas a partir de uma reflexão. A sociedade tem dificuldade em lidar com a liberdade", diz Loureiro.
O professor Júlio Pompeu faz outra ponderação: as manifestações contra a corrupção levantaram a bandeira da moralidade, mas tendem a ser passageiras, pois falta, segundo ele, base ideológica a elas.
"Essas manifestações me parecem mais contra a classe política que com a corrupção. Dos erros cotidianos, como furar a fila do banco, ninguém reclama. E quem reclama é visto como chato", finalizou.
Eduardo Fachetti - A Gazeta
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