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SOCIEDADE BÍBLICA


sábado, 15 de outubro de 2011

Militante do PCdoB acusa Orlando Silva de montar esquema de corrupção

Segundo o policial militar João Dias Ferreira, ministro do Esporte recebeu propina nas dependências do ministério

Rodrigo Rangel
Tasso Marcelo/AE
As fraudes no programa Segundo Tempo são investigadas há mais de três anos, mas é a primeira vez que o ministro é apontado diretamente como mentor das irregularidades
NA MIRA
As fraudes no programa Segundo Tempo são investigadas há mais de três anos, mas é a primeira vez que o ministro é apontado diretamente como mentor das irregularidades

No ano passado, a polícia de Brasília prendeu cinco pessoas acusadas de desviar dinheiro de um programa criado pelo governo federal para incentivar crianças carentes a praticar atividades esportivas. O grupo era acusado de receber recursos do Ministério do Esporte através de organizações não governamentais (ONGs) e embolsar parte do dinheiro. Chamava atenção o fato de um dos principais envolvidos ser militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ex-candidato a deputado e amigo de pessoas influentes e muito próximas a Orlando Silva, o ministro do Esporte. Parecia um acontecimento isolado, uma coincidência. Desde então, casos semelhantes pipocaram em vários estados, quase sempre tendo figuras do PCdoB como protagonistas das irregularidades. Agora, surgem evidências mais sólidas daquilo que os investigadores sempre desconfiaram: funcionava dentro do Ministério do Esporte uma estrutura organizada pelo partido para desviar dinheiro público usando ONGs amigas como fachada. E o mais surpreendente: o ministro Orlando Silva é apontado como mentor e beneficiário do esquema.
Em entrevista a VEJA, o policial militar João Dias Ferreira, um dos militantes presos no ano passado, revela detalhes de como funciona a engrenagem que, calcula-se, pode ter desviado mais de 40 milhões de reais nos últimos oito anos. Dinheiro de impostos dos brasileiros que deveria ser usado para comprar material esportivo e alimentar crianças carentes, mas que acabou no bolso de alguns figurões e no caixa eleitoral do PCdoB. O relato do policial impressiona pela maneira rudimentar como o esquema funcionava. As ONGs, segundo ele, só recebiam os recursos mediante o pagamento de uma taxa previamente negociada que podia chegar a 20% do valor dos convênios. O partido indicava desde os fornecedores até pessoas encarregadas de arrumar notas fiscais frias para justificar despesas fictícias. O militar conta que Orlando Silva chegou a receber, pessoalmente, dentro da garagem do Ministério do Esporte, remessas de dinheiro vivo provenientes da quadrilha: “Por um dos operadores do esquema, eu soube na ocasião que o ministro recebia o dinheiro na garagem” (veja a entrevista na edição de VEJA desta semana). João Dias dá o nome da pessoa que fez a entrega. Parte desse dinheiro foi usada para pagar despesas da campanha presidencial de 2006.
O programa Segundo Tempo é repleto de boas intenções. Porém, há pelo menos três anos o Ministério Público, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União desconfiam de que exista muita coisa além da ajuda às criancinhas. Uma das investigações mais completas sobre as fraudes se deu em Brasília. A capital, embora detentora de excelentes indicadores sociais, foi muito bem aquinhoada com recursos do Segundo Tempo, especialmente quando o responsável pelo programa era um político da cidade, o então ministro do Esporte Agnelo Queiroz, hoje governador do Distrito Federal. Coincidência? A investigação mostrou que não. A polícia descobriu que o dinheiro repassado para entidades de Brasília seguia para entidades amigas do próprio Agnelo, que por meio de notas fiscais frias apenas fingiam gastar a verba com crianças carentes. Agnelo, pessoalmente, foi acusado de receber dinheiro público desviado por uma ONG parceira. O soldado João Dias, amigo e aliado político de Agnelo, controlava duas delas, que receberam 3 milhões de reais, dos quais dois terços teriam desaparecido, de acordo com o inquérito. Na ocasião, integrantes confessos do esquema concordaram em falar à polícia. Contaram em detalhes como funcionava a engrenagem. O soldado João Dias, porém, manteve-se em silêncio sepulcral — até agora.
Na entrevista, o policial afirma que, na gestão de Agnelo Queiroz no ministério, o Segundo Tempo já funcionava como fonte do caixa dois do PCdoB — e que o gerente do esquema era o atual ministro Orlando Silva, então secretário executivo da pasta. Por nota, a assessoria do governador Agnelo disse que as relações entre ele e João Dias se limitaram à convivência partidária, que nem sequer existe mais. VEJA entrevistou também o homem que o policial aponta como o encarregado de entregar dinheiro ao ministro. Trata-se de Célio Soares Pereira, 30 anos, que era uma espécie de faz-tudo, de motorista a mensageiro, do grupo que controlava a arrecadação paralela entre as ONGs agraciadas com os convênios do Segundo Tempo. “Eu dirigia e, quase todo mês, visitava as entidades para fazer as cobranças”, contou. Casado, pai de seis filhos, curso superior de direito inconcluso, Célio trabalha atualmente como gerente de uma das unidades da rede de academias de ginástica que o soldado João Dias possui. Célio afirma que, além do episódio em que entregou dinheiro ao próprio Orlando Silva, esteve pelo menos outras quatro vezes na garagem do ministério para levar dinheiro. “Nessas vezes, o dinheiro foi entregue a outras pessoas. Uma delas era o motorista do ministro”, disse a VEJA. O relato mais impressionante é de uma cena do fim de 2008. “Eu recolhi o dinheiro com representantes de quatro entidades aqui do Distrito Federal que recebiam verba do Segundo Tempo e entreguei ao ministro, dentro da garagem, numa caixa de papelão. Eram maços de notas de 50 e 100 reais”, conta.
Célio afirma que um dirigente do PCdoB, Fredo Ebling, era encarregado de indicar a quem, quando e onde entregar dinheiro. “Ele costumava ir junto nas entregas. No dia em que levei o dinheiro para o ministro, ele não pôde ir. Me ligou e disse que era para eu estar às 4 e meia da tarde no subsolo do ministério e que uma pessoa estaria lá esperando. O ministro estava sentado no banco de trás do carro oficial. Ele abriu o vidro e me cumprimentou. O motorista dele foi quem pegou a caixa com o dinheiro e colocou no porta-malas do carro”, afirma. Funcionário de carreira do Congresso Nacional, chefe de gabinete da liderança do partido na Câmara dos Deputados, Fredo Ebling é um quadro histórico entre os camaradas comunistas. Integrante da Secretaria de Relações Internacionais do PCdoB nacional, ele foi candidato a senador e a deputado por Brasília. Em 2006, conseguiu um lugar entre os primeiros suplentes e, no final da legislatura passada, chegou a assumir por vinte dias o cargo de deputado federal. João Dias diz que Fredo Ebling era um dos camaradas destacados por Orlando Silva para coordenar a arrecadação entre as entidades. O policial relata um encontro em que Ebling abriu o bagageiro de seu Renault Mégane e lhe mostrou várias pilhas de dinheiro. “Ele disse que ia levar para o ministro”, afirma. Ebling nega. “Eu não tinha esse papel”, diz. O ex-deputado diz que conhece João Dias, mas não se lembra de Célio.
A lua de mel do policial com o ministério e a cúpula comunista começou a acabar em 2008, quando passaram a surgir denúncias de irregularidades no Segundo Tempo. Ele afirma que o ministério, emparedado pelas suspeitas, o deixou ao léu. “Eu tinha servido aos interesses deles e de repente, quando se viram em situação complicada, resolveram me abandonar. Tinham me prometido que não ia ter nenhum problema com as prestações de contas.” O policial diz que chegou a ir fardado ao ministério, mais de uma vez, para cobrar uma solução, sob pena de contar tudo. No auge da confusão, ele se reuniu com o próprio Orlando Silva. “O Orlando me prometeu que ia dar um jeito de solucionar e que tudo ia ficar bem”, diz. O ministro, por meio de nota, confirma ter se encontrado com o policial. Diz que o recebeu em audiência, mas nega que soubesse dos desvios ou de cobrança de propina. “É uma imputação falsa, descabida e despropositada. Acionarei judicialmente os caluniadores”, afirmou o ministro, em nota.
Em paralelo às investigações oficiais, João Dias respondeu por desvio de conduta na corporação militar. A Polícia Militar de Brasília oficiou ao ministério em busca de informações sobre os convênios. A resposta não foi nada boa para o soldado: dizia que ele estava devendo 2 milhões aos cofres públicos por irregularidades nas prestações de contas. João Dias então subiu o tom das ameaças. Em abril de 2008, quando foi chamado à PM para dar satisfações e tomou conhecimento do ofício, ele procurou pessoalmente o então secretário nacional de Esporte Educacional, Júlio Cesar Filgueira, para tirar satisfação. O encontro foi na secretaria. O próprio João Dias conta o que aconteceu: “Eu fui lá armado e dei umas pancadas nele. Dei várias coronhadas e ainda virei a mesa em cima dele. Eles me traíram”. Júlio Filgueira, também filiado ao PCdoB de Orlando Silva, era responsável por tocar o programa. A pressão deu certo: o ministério expediu um novo ofício à Polícia Militar amenizando a situação de Dias. O documento pedia que fosse desconsiderado o relatório anterior. A agressão que João Dias diz ter cometido dentro da repartição pública passou em branco. “Eles não tiveram coragem de registrar queixa porque ia expor o esquema”, diz o soldado. Indagado por VEJA, o gabinete de Orlando Silva respondeu que “não há registro de qualquer agressão nas dependências do Ministério do Esporte envolvendo estas pessoas”. O ex-secretário Júlio Filgueira, que deixou o cargo pouco depois da confusão, confirma ter recebido o policial mas nega que tenha sido agredido. “Ele estava visivelmente irritado, mas essa parte da agressão não existiu”, diz. A polícia e o Ministério Público têm uma excelente oportunidade para esclarecer o que se passava no terceiro tempo no Ministério do Esporte. As testemunhas, como se viu, estão prontas para entrar em campo.

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