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SOCIEDADE BÍBLICA


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Origem e custo da corrupção



No Brasil, é comum ver as pessoas atribuírem o problema da corrupção à “má índole do povo brasileiro” ou até mesmo à famosa “lei de Gerson”, segundo a qual deve-se sempre “levar vantagem em tudo”. O estudo "Corrupção na Política: Eleitor Vítima ou Cúmplice", apresentado pelo Ibope em março deste ano, fez descobertas interessantes em relação a isso. A pesquisa, que ouviu mais de 2 mil eleitores em diversas regiões do país, mostrou que dois terços dos entrevistados já cometeram ou cometeriam atos ilícitos, como comprar produtos piratas ou subornar um guarda para livrar-se de uma multa. Outro dado alarmante: a maioria das pessoas disse aceitar que seus representantes cometam algum tipo de irregularidade, como contratar familiares e transformar viagens de negócio em lazer.
É a confirmação do discurso “Se eles podem, eu também posso”. Falando sério: quantas pessoas você já ouviu dizer isso, no seu círculo de amigos, até mesmo entre parentes? É muito comum. Abramo, da Transparência Brasil, rebate com indignação: “Não pode não. Isso não é conversa de cidadão, mas sim de picareta. Quem sonega, suborna, enfim, comete atos corruptos, tem de ir pra cadeia”. Jorge Maranhão, do Instituto Millenium e idealizador do projeto “A Voz do Cidadão”, concorda, mas faz uma ressalva: “Se o senso comum pensa assim, acho que esses são crimes que, cometidos na esfera privada, têm atenuantes, mas, na esfera pública, devem ter sua pena agravada significativamente, pois, nesse caso, estão lesando toda a sociedade, ainda que de modo pulverizado”.
Como pudemos ver, pode até ser que atitude seja um dos fatores que faz alguém corromper ou ser corrompido. Os números do Ibope, no entanto, não dizem tudo. Um ato de corrupção, além de envolver dois sujeitos — o corrupto e o corruptor —, é favorecido por diversos outros fatores. Afinal, o que facilita a situação para aquele que tem interesse em roubar o dinheiro público?
A equipe do portal pesquisou em estudos sobre o tema, ouviu especialistas e descobriu várias respostas para essa pergunta. São inúmeras as manifestações e as causas da corrupção. Como já vimos, a corrupção é um mundo escondido, difícil de ser identificado e, portanto, combatido. Algumas opiniões são conflitantes, mas em um ponto todos concordam: a receita da corrupção no Brasil tem como ingrediente básico um Estado mal estruturado, emperrado pelo excesso de burocracia, cheio de falhas de gestão e brechas legais, que favorecem a prática do “favorzinho”, do “jeitinho”. Saiba mais sobre essa e outras questões a seguir.

Onde “começa” a corrupção
“Quando” será que a corrupção se transformou em algo tão comum em nosso país? Cavalcanti diz que não é possível responder à pergunta com exatidão, mas ousa afirmar que o problema se tornou mais intenso nos últimos 20 anos. “O fenômeno da globalização induziu a uma profissionalização não apenas de empresas e governos, mas também das atividades criminosas. Os esquemas se tornaram mais eficientes, enxutos e difíceis de serem descobertos. Basta ver as complexas tramas identificadas em escândalos como o do mensalão, e em organizações como o PCC”.
Foto: Rodrigo Souza / Positivo Informática
Toma lá, dá cá: o clientelismo entrega o poder pessoas e grupos econômicos que não estão nem aí para a população.
E será possível apontar “onde” e como a corrupção começa? “A origem da corrupção política no Brasil está diretamente ligada ao clientelismo”, afirma, referindo-se à prática de favorecimento exercida por políticos em troca de apoio para suas campanhas. Funciona mais ou menos assim: eu sou um candidato e preciso de apoio para me eleger. Você é um empresário ou um político e me oferece apoio (que pode ser em dinheiro, influência sobre forças políticas importantes, etc.), mas faz várias exigências em troca, como, por exemplo, a reserva de “x” cargos em meu gabinete para pessoas de sua confiança. Eu também posso ser clientelista lutando pela aprovação de leis que ajudem seu negócio a prosperar, em detrimento de leis que possam realmente ajudar a população. Não tem nada demais, não acha? Ou tem? “Estas são as duas características mais fortes do clientelismo: o nepotismo legitimado e o oligarquismo”, alerta o professor. Nesse joguinho de favores, aqueles que foram eleitos para serem nossos representantes acabam entregando de bandeja o poder a pessoas e grupos econômicos que não estão nem aí para a população. Outro exemplo de clientelismo é a edição de licitações viciadas, ou seja, que apresentam critérios que só uma empresa pode cumprir, o que já definiria o resultado antes mesmo do seu lançamento. E não apenas a classe política se compromete nesse caso. Aos poucos, as peças da máquina pública vão enferrujando, contaminando funcionários públicos de diversos setores e escalões, prestadores de serviço, enfim, comprometendo o funcionamento do Estado de forma geral.
Pois é, na atual conjuntura, compram-se e alugam-se cargos, contratos de prestação de serviços, leis e até partidos. É o caso das “legendas de aluguel”, como explica Marcos Fernandes, professor da FGV-EAESP e autor do livro Economia Política da Corrupção (Editora Senac, 2002): “Essa é uma perversidade que o sistema eleitoral gera ao permitir que existam no Brasil mais de 30 partidos. A maioria deles são organizações nanicas, cujo único objetivo é capturar renda, ‘vendendo’ suas legendas em coligações com partidos maiores, dando a estes mais espaço no horário eleitoral”.
Foto: Divulgação
Luiz Otavio Cavalcanti: “Os documentos de gastos de campanha entregues pelos candidatos à justiça eleitoral não condiziam com a superprodução das campanhas”.
Falando em campanha eleitoral, você deve estar se perguntando: será que essa “sujeirada” toda que vemos nos noticiários sobre empresas e partidos políticos que possuem um “caixa dois” (deixam de pagar impostos para acumular mais dinheiro) é exclusividade de algum grupo político ou algo generalizado? Abramo diz que é impossível saber. “Os indícios de que essa seja uma prática generalizada são conflitantes. É fato que há dinheiro sujo envolvido em campanhas, mas não se sabe o volume disso”. Para Cavalcanti, apesar da ausência de uma prova cabal, fica difícil não acreditar que essa seja uma prática comum. “Quando eu via a superprodução que eram as campanhas eleitorais antigamente, antes dessas mudanças que ocorreram (entenda as mudanças), e confrontava com os relatórios de gastos apresentados à justiça eleitoral, sempre me chamou a atenção uma absoluta desproporção.”

Vilão invisível
Se o problema está na dificuldade de identificar e alcançar a corrupção, o que falta então para que isso comece a acontecer? Para o economista Stephen Kanitz, o atual número de fiscais e auditores no Brasil é um dos fatores que, além de contribuir para o crescimento dessa bola de neve, dificultam o combate a ele. Em um artigo publicado recentemente em seu portal , Kanitz afirma que esse número é insuficiente para controlar o volume de transações comerciais realizadas diariamente no país. Segundo ele, na Holanda e na Dinamarca, existem 100 auditores para cada 100 mil habitantes, enquanto aqui a proporção é de 8 por 100 mil.
O professor Fernandes, ouvido pela nossa equipe, discorda: “Há setores em que sobram fiscais e mesmo assim há casos de corrupção”. Ele acredita que o que realmente pode fazer a diferença em relação à fiscalização é a informatização de processos como os de arrecadação tributária. Da mesma forma, não adiantaria contratar mais e mais auditores e inseri-los em um sistema que já se encontra apodrecido. “O ideal é que tivéssemos auditoria independente,” completa.
Não faltam propostas de medidas que podem contribuir para reduzir a ação de corruptos, como a diminuição dos cargos públicos comissionados (e a agilização do processo de contratações por concurso), uma reforma aprofundada da legislação sobre financiamento de campanhas, além de uma ação integrada entre forças policiais, judiciais, instituições reguladoras e fiscalizadoras, como Banco Central, Receita Federal e Receitas Estaduais.
Depois de ler isso, dá uma sensação engraçada. Não é a mesma coisa que ouvimos a cada dois anos, durante as campanhas eleitorais? Não é exatamente o que promete cada candidato a presidente, governador, prefeito, vereador e deputado: acabar com a corrupção? Pois é, já deu para perceber que depender apenas de nossos representantes não é suficiente para vencer essa batalha. Como você vai ver a seguir, só a sociedade unida poderá fazer a diferença.
Corrupção na polícia
Foto: David Prichard
O ator Wagner Moura em cena do filme Tropa de Elite: polícia ou bandido?
Todo mundo sabe que a polícia brasileira nem sempre desempenha adequadamente sua função de proteger o cidadão. Aliás, de uns tempos para cá, só se fala de policial envolvido em crimes. A situação é tão grave que, em algumas comunidades, as pessoas confiam mais nos bandidos que na força policial.
É disso que trata o filme Tropa de elite, lançado por José Padilha* em outubro deste ano. A película mostra a guerra entre o Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) e os traficantes que dominam as favelas cariocas. A história é sobre as dificuldades enfrentadas por dois policiais novatos e bem-intencionados que fazem parte de um grupo consumido pelo estresse do dia-a-dia do trabalho policial, pelo descaso à vida do outro e pelo envolvimento de vários de seus membros em crimes que deveriam combater.
Para Marcos Bretas, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que estuda o funcionamento da polícia no Brasil há mais de 20 anos, é preciso lembrar que há dois tipos de corrupção policial: um deles é a prática do suborno, feita por muita gente, que dá um "presentinho" ao policial quando comete uma infração de trânsito ou algo parecido. O outro modo de corromper é realizado quando alguém paga para poder continuar cometendo um crime, como nos casos em que os policiais recebem dinheiro para acobertar ou mesmo participar de esquemas envolvendo jogo ilegal, pirataria, tráfico de drogas, entre outros. O historiador avalia que "o primeiro tipo é muito ruim. Mas o segundo é terrível. Ambos vêm de muito tempo, e o triste é que as pessoas se acostumaram a isso. Tudo serve como desculpa para a prática da corrupção, inclusive o baixo salário dos policiais."
Afinal, como é possível combater a corrupção no meio policial? Há formas de controle externo, como nas ouvidorias, por exemplo. Mas segundo Bretas, o que mais tem funcionado é o controle interno, exercido pelos próprios policiais. "É preciso quebrar as cadeias de solidariedade que existem entre o bom e o mau policial. Percebo que isso está começando a acontecer. Hoje, o bom policial se preocupa muito mais com a boa imagem da corporação do que com o medo de denunciar o colega", constata o historiador.
* Curiosidade: Antes mesmo de Tropa de elite chegar aos cinemas, já era possível encontrar cópias piratas do filme à venda em barracas de camelôs do Rio de Janeiro. Ironicamente, as primeiras investigações indicaram que o principal intermediário no vazamento do filme foi um PM.

Corrupção nos municípios
“Pegue a relação dos PIBs estaduais: os estados que estão no fim da lista são os que não têm o mínimo controle das contas e ações de suas prefeituras”, afirma Abramo, da Transparência Brasil. “Em boa parte delas, os vereadores são cooptados pelo prefeito, quando deveriam agir para controlá-lo. As próprias prefeituras não têm controle interno, deixam suas contas a cargo de empresas de contabilidade. E, quanto aos tais conselhos de educação, saúde, etc., auditorias fiscais feitas pela Controladoria Geral da União atestam que, em 90% dos casos, eles não funcionam. Os tribunais de contas estaduais também são, em muitos lugares, uma brincadeira. Fazem apenas uma auditoria formal, ‘emitem documentos’ e ponto.” 

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